Fórum Netxplica
  • NETXPLICA
  • LOJA
  • FÓRUM
  • ESCOLA
  • E-LEARNING
  • Explicações
  • Reapreciações
    • Fórum Netxplica
    • Público

      •      
             
    • Utilizadores Registados

      •      
             
    • Utilizadores Especiais

      •      
             
  • Utilizadores
    Entrar / Login
    Registar
    Dificuldades Login/Registo
  • Artigos Ciências 7/8/9
  • Artigos Biologia 10/11/12
  • Artigos Geologia 10/11/12
  • Dúvidas BIOGEO 10/11
  • Dúvidas BIOGEO 10
  • Dúvidas BIOGEO 11

O Tejo ao microscópio: menos sujo, mas nadar ainda não


12.º Ano BIOLOGIA - V. Preservar e Recuperar o Meio Ambiente

O Tejo ao microscópio: menos sujo, mas nadar ainda não
13.03.2011 - PÚBLICO.PT | Ricardo Garcia, Marisa Soares

Foto: Enric Vives-Rubio

Apanha de amêijoas em zona contaminada na Margem Sul do Tejo


Em Janeiro, os esgotos de 120 mil habitantes de Lisboa deixaram de correr para o Tejo. Houve festa, com fados e uma regata de canoas típicas. A ministra do Ambiente, Dulce Pássaro, anunciou que o estuário estava "totalmente livre" de águas residuais não-tratadas.

Não é bem assim. Olhando-se para trás, o Tejo está hoje muito melhor. Mas ainda há zonas onde os esgotos urbanos correm sem tratamento para o rio. A poluição causada pelas explorações pecuárias ainda não está resolvida. Nos sedimentos do estuário, estão acumuladas grandes quantidades de metais pesados. Há afluentes que permanecem poluídos.

Dizer se um estuário tão grande e com tantos usos diferentes como o do Tejo está poluído não é, porém, tarefa fácil. O Tejo tem, por exemplo, grandes quantidades de nutrientes que, em determinadas condições, podem causar a proliferação de algas, cuja decomposição consome o oxigénio necessário para outros organismos. Mas, no estuário, que tem águas escuras devido à quantidade de sedimentos em suspensão, isto não acontece. "Se o estuário não fosse turvo, ficaria verde num instante", diz o investigador Ramiro Neves, do Instituto Superior Técnico.

Se a ideia é tomar banho no Tejo, no entanto, ainda não é altura para pensar nisso. Mas há planos de várias autarquias para requalificar as zonas ribeirinhas, que são, nalguns casos, um passo para a criação de praias fluviais.

Em Lisboa, está prevista a criação de uma zona de interacção com o Tejo na ribeira das Naus, entre o Terreiro do Paço e o Cais do Sodré. "Vai ser um espaço importante de usufruto do rio", diz o vereador do Ambiente, José Sá Fernandes. O objectivo é introduzir ali um espaço com vegetação e uma plataforma que entra no rio, semelhante à que já existe no Cais das Colunas. O presidente da sociedade Frente Tejo, João Biencard Cruz, responsável pela execução do projecto, refere-se a este avanço de margem como um "local de contemplação". Mas esta "grande varanda" virada para o Tejo, como lhe chama, pode ser um convite para os visitantes molharem os pés.

As obras não deverão estar concluídas antes de 2013. Mas, se fosse hoje, que perigos correria quem tentasse molhar os pés no rio na ribeira das Naus? O Cidades contactou um laboratório para analisar uma amostra de água colhida precisamente na zona onde vai ser construída a "varanda". A recolha foi feita a 25 de Fevereiro, às 9h30, em período de maré cheia. Os resultados indicam que os valores de enterococos intestinais são cerca de 90 vezes superiores ao permitido por lei. Resultado: água imprópria para banhos.

Na margem sul do Tejo, alguns municípios prometem requalificar praias fluviais no curto prazo. Em Alcochete, a câmara quer recuperar a classificação balnear oficial para as praias dos Moinhos e do Samouco, perdida em 2009. "São locais frequentados por centenas de pessoas no Verão e nunca recebemos queixas por contaminações ou alergias", garante o vereador do Ambiente, Jorge Giro.

Análises que a própria autarquia mandou fazer no Verão de 2010 mostram outra realidade. De oito amostras na praia dos Moinhos, duas ultrapassaram os níveis permitidos para enterococos, o que impede o seu uso balnear. Nas areias, em dois momentos também se registou excesso de coliformes e de fungos patogénicos.

No Montijo, a criação de uma praia fluvial foi uma das bandeiras da campanha eleitoral de Maria Amélia Antunes, actual presidente da câmara. O vereador do Ambiente, Nuno Canta, explica que a intenção se mantém, mas "a concretização ainda depende da despoluição do rio". O objectivo, porém, é avançar com o projecto ainda nesta década.

A Câmara do Barreiro tem planos mais imediatos. Até 2013, a autarquia quer requalificar a praia de Alburrica. Todas as esperanças recaem sobre a ETAR do Barreiro e Moita, que está em testes, para ser inaugurada em Abril. Irá tratar os esgotos de 290 mil pessoas, que até agora eram lançados no rio. Isto resolve apenas um dos problemas do Barreiro, pois os sedimentos do rio na zona do concelho estão fortemente contaminados.

No Seixal, também está prestes a inaugurar a ETAR que vai tratar os esgotos de mais de 150 mil habitantes. É o último passo para limpar a frente ribeirinha. "Antes ia tudo para o interior da baía. Até meados dos anos 1990, o impacto era muito grande", diz o presidente da câmara, Alfredo Monteiro. Os esforços da autarquia estão, porém, mais dirigidos para a náutica de recreio do que para as praias.

Ordem não é multar

Há outros investimentos por concluir na rede de saneamento à volta do estuário. Só no concelho de Vila Franca de Xira, cerca de 1,6 milhões de metros cúbicos de esgotos domésticos continuam a ir para o rio sem tratamento. As freguesias da Póvoa de Santa Iria, Vialonga e Forte da Casa só deverão estar ligadas à ETAR de Alverca, da Simtejo, em 2012.

A construção de estações de tratamento não é garantia para banhos no Tejo. "As ETAR que existem não estão preparadas, nem são obrigadas a tratar os efluentes de modo a que possam ser rejeitados numa zona balnear", refere Arnaldo Pêgo, presidente das empresas Simtejo, Simarsul e Santest, que gerem o tratamento da maior parte dos esgotos dos municípios à volta do Tejo.

Mesmo que resolvidos os esgotos, nada assegura que o Tejo possa ser considerado limpo. A Directiva-Quadro da Água, em vigor na Europa, prevê sistemas diferentes de classificação para rios, lagos e águas costeiras ou de transição. Mas neste último caso, que é o dos estuários, ainda nada está definido. "É ainda uma página em branco", afirma Simone Pio, vice-presidente da Administração de Região Hidrográfica (ARH) do Tejo. "A ARH está a desenvolver um modelo específico para essas águas, com base no qual será possível dizer se têm qualidade ou não", diz.

Em 2009 e 2010, a ARH fez duas campanhas de caracterização das águas no estuário. A concentração de mercúrio revelou estar acima do máximo definido numa directiva comunitária. De resto, as análises revelaram um quadro expectável. A distribuição de alguns resultados corrobora a origem interna de alguns poluentes, como afluentes que chegam ao estuário carregados de poluição orgânica ou microbiológica. As ETAR contribuem parcialmente para este quadro, em particular as que não dispõem de desinfecção dos efluentes. Mas por vezes a poluição tem origem a montante e os efluentes das ETAR até podem diluí-la. Análises recentes realizadas pela Simarsul mostram que a concentração de coliformes fecais na Vala da Salgueirinha, em Palmela, é dez vezes maior a montante do que a jusante da estação de tratamento da Lagoinha.

O rio Trancão também traz poluição que é descarregada ao longo do seu curso proveniente de outras fontes, como suiniculturas. Segundo dados do Instituto da Água e da Simtejo, pelo menos até 2009 a sua água ainda chegava poluída ao Tejo.

O rio Sorraia é outro contribuinte para a poluição do Tejo. Cerca de 76 por cento do azoto e 72 por cento do fósforo proveniente de fontes difusas chegam ao estuário por essa via, segundo dados da ARH. O uso de fertilizantes na agricultura surge como natural culpado. Mas a Associação de Beneficiários da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira contesta este raciocínio e enviou ao Cidades oito anos de análises (2002-2010) que sugerem que nos canais que cortam as explorações agrícolas a concentração de nitratos é menor do que a registada no rio Tejo.

Os focos mais evidentes de poluição do Tejo - como suiniculturas, lagares, matadouros, indústrias, aterros e ETAR - estão identificados pela ARH do Tejo (ver infografia nas páginas 6/7). São fontes que necessitam de controlo. Mas os dados da fiscalização são esparsos.

Em 2010, o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR levantou apenas um auto de notícia por descargas ilegais no Montijo. A Polícia Marítima levantou cinco em todo o estuário, três dos quais por descarga indevida de navios. No mesmo ano, a ARH instaurou nove processos de contra-ordenação por rejeição de poluentes.

A ARH tem, porém, para toda a bacia do Tejo, milhares de processos relacionados com falta de licenças de descarga, mas a ordem não é de multar. "Temos de trabalhar a questão com muito tacto. Na grande maioria das situações, as coimas significam fechar [as empresas]", afirma Simone Pio.

Plano em Agosto

Às pressões presentes no estuário somam-se os passivos ambientais históricos. Um dos maiores é a contaminação que anos de actividade industrial deixou no leito do rio. Um estudo publicado em 2008 revela que há 4300 toneladas de metais pesados acumulados nos sedimentos, dos quais 70 por cento são de origem humana.

Outros estudos revelam, no entanto, que as coisas estão a melhorar - como na zona do Parque das Nações, onde a perturbação causada pela poluição nos organismos aquáticos tem vindo nitidamente a cair (ver texto nas 8/11).

A ARH do Tejo está agora a elaborar um plano de ordenamento para o estuário e uma versão para consulta pública deverá estar concluída em Agosto. "Estamos a definir que actividades é que o estuário pode ter", afirma Simone Pio. Os modelos utilizados para dizer se o rio está bom ou não vão depender dos usos que ficarem definidos em cada zona. Por ora, no entanto, nadar está fora de questão.

Domingo Mar 13, 2011 21:22 / netxplica.com

Esgotos, porcos, amêijoas ilegais e o sonho das ostras
13.03.2011 - PÚBLICO.PT | Ricardo Garcia, Marisa Soares

Foto: Enric Vives-Rubio

Saída de esgotos não tratados: há problemas ainda por resolver


Numa viagem à volta do estuário, encontram-se histórias que ilustram os males que ainda o afligem. Algumas abrem uma janela optimista para o futuro.

Um terço dos esgotos sem tratamento

O cheiro a esgoto empesta o ar ao pé do cais mas os pescadores da Póvoa de Santa Iria já se habituaram. Não estranham a água castanho-escura que sai pela boca de esgoto e se mistura com o Tejo, porque a poluição já se entranhou na paisagem. Por ali ainda escorre uma parte das águas residuais domésticas não tratadas de um terço da população de Vila Franca de Xira. No total, segundo os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, são cerca de 1,6 milhões de metros cúbicos de efluentes por ano, produzidos por mais de 50 mil pessoas.

Só em 2012 deverá estar concluída a ligação de Póvoa de Santa Iria, Forte da Casa e Vialonga à Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alverca, da Simtejo. Até lá, os esgotos continuarão a ir para o Tejo sem tratamento. "Não vou nessa cantiga. A câmara já dizia que era em Setembro do ano passado", diz um pescador sentado junto à água.

Abel Patrício, de 72 anos, é menos céptico. À conversa ao pé das casitas coloridas do Cais dos Pescadores, assentes em estacas de madeira, arrisca um diagnóstico para o rio. "Está melhor do que há 20 anos, antes era só porcaria, que vinha das fábricas. Mas só quando o esgoto parar de correr é que se vai notar a diferença."

Durante 21 anos, Abel trabalhou na Solvay, indústria de produtos químicos da Póvoa de Santa Iria. Ainda é do tempo em que as leis ambientais eram menos apertadas. "O tratamento das águas residuais era manual e às vezes havia descargas directas no rio", afirma.

Hoje, a unidade tem uma estação de tratamento onde faz a remoção dos sólidos em suspensão aos 20 milhões de metros cúbicos de águas residuais que produz anualmente. Depois desse pré-tratamento, as águas são despejadas no rio. Luís Saldanha da Gama, coordenador de higiene, segurança e ambiente da Solvay, explica que 17 milhões (esgotos domésticos, pluviais e de refrigeração) do total dos 20 passarão a ser tratados na ETAR de Alverca quando estiver concluída a rede da Simtejo na Póvoa de Santa Iria. "Sabemos que há atrasos com as obras da Simtejo e não acreditamos que as obras fiquem prontas até ao final do ano", afirma.

Já as águas residuais industriais - três milhões de metros cúbicos por ano - continuarão a ir para o Tejo. Por se tratar de uma indústria química inorgânica, aquelas águas têm "maioritariamente características minerais", que "não afectam a vida animal ou vegetal do rio", esclarece Saldanha da Gama. "No máximo, pode contribuir para o assoreamento do rio", remata.

As instalações da Adubos de Portugal - Fertilizantes, em Alverca do Ribatejo, também ainda não estão ligadas à ETAR de Alverca. Em 2010, esta unidade industrial descarregou no Tejo 177.257 metros cúbicos de águas residuais, após um tratamento primário que faz a decantação dos sólidos e remove óleos e gorduras.

De acordo com a vice-presidente da Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Tejo, Simone Pio, as análises dos efluentes deitados no rio pelas duas empresas "têm estado em conformidade com o que é exigido na respectiva licença ambiental". Até à publicação desta reportagem, a ARH não tinha facultado o acesso a estas análises.

Na zona de descarga da Solvay, é visível a cor esbranquiçada do lodo, de onde saem pequenas nuvens de vapor de água. A Polícia Marítima, que levou o CIDADES numa viagem pelo estuário, vigia apenaso aspecto da água. Os agentes Amândio Bonacho e Inês Neves fiscalizam a cor, a presença de objectos, o cheiro e o aspecto gorduroso da água.

Apesar de ainda existirem focos de poluição, a Polícia Marítima assegura que é visível a evolução positiva da qualidade do rio nos últimos dois anos, sobretudo ao longo da margem norte. Em Lisboa, por exemplo, no Terreiro do Paço, as pedras destapadas pela maré baixa já foram negras, agora estão cobertas por uma espécie de musgo. Antes do desvio dos esgotos para a ETAR de Alcântara, no final de Janeiro, Amândio Bonacho diz que "havia de tudo" na água: dejectos, preservativos, pensos higiénicos, rolos de papel. Agora, está melhor. Na Póvoa de Santa Iria, os pescadores esperam resultados idênticos.

Suiniculturas à espera de solução colectiva

O pescador Custódio Pereira já perdeu a conta às vezes que detectou descargas de efluentes de suiniculturas na pequena ribeira que atravessa o Sítio das Hortas, em Alcochete, em direcção ao rio Tejo. "Acontece mais durante a noite e quando chove. Quando chegamos, vemos a urina à beira da água. E o cheiro é horrível. Quando o vento vem de sul, não se pode estar aqui". As queixas feitas à Polícia Marítima e aos responsáveis da Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) "não valem de nada", lamenta o pescador, de 71 anos.

O Sítio das Hortas, onde funciona um pólo de interpretação ambiental, está inserido numa zona de protecção especial para aves e faz fronteira com a RNET. O local está identificado no plano de ordenamento e gestão da reserva natural, de 2007, como zona de descarga directa de suiniculturas. No concelho de Alcochete, há pelo menos 16 explorações activas, segundo a Direcção de Intervenção Veterinária de Setúbal.

Uma suinicultura a poucos metros do Sítio das Hortas é, dizem os pescadores, a responsável pelas descargas. E já foi pior, afiança Custódio. "Há alguns anos, até havia porcos à beira da água."

O filho do proprietário da suinicultura Manuel Guarda & Filhos, Rafael Guarda, contesta as acusações. "Não faço descargas directas no rio, nem pensar." Na exploração, que o CIDADES visitou, existe uma máquina separadora dos efluentes produzidos por cerca de 2200 animais. Os líquidos são encaminhados para três lagoas descobertas, onde, segundo o responsável, ficam durante seis meses. "Os sólidos são usados como adubo e a água é espalhada em campos agrícolas que ficam a 1,5 quilómetros daqui", assegura.

Ao proprietário, a RNET levantou já dois autos de notícia - em 1996 e em 2000 - por descarga ilegal de efluentes. O director da reserva, João Carlos Farinha, lembra que para multar os responsáveis os agentes têm que assistir à descarga enquanto ela ocorre. "Quando as denúncias são realizadas após o acto, apenas se podem levantar autos contra desconhecidos, que geralmente são arquivados", esclarece.

Desde 2008, está prevista a construção de uma estação de tratamento dos efluentes pecuários da península de Setúbal. No entanto, a solução, que custará cerca de 100 milhões de euros, está num impasse. "Enquanto a tarifa a pagar pelos aderentes não baixar dos oito para os quatro euros por metro cúbico, o processo não avança. É incomportável", explica Luís Dias, presidente da Associação Livre de Suinicultores.

O estudo de viabilidade económico-financeira do projecto baseia a tarifa numa taxa de financiamento a 40 por cento do Programa de Desenvolvimento Rural (Proder). A Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores solicitou ao Ministério da Agricultura, no início de 2010, o aumento da taxa de financiamento, mas ainda não obteve resposta. Luís Rego, assessor do ministério, disse que "o assunto está em análise".

Festim de amêijoas em zonas poluídas

A imagem já se tornou rotina, sobretudo em dias de sol: andam às dezenas, homens e mulheres, jovens e mais velhos, armados de ancinhos, pequenos sachos, baldes e galochas. Todos de olhos postos no fundo do rio Tejo, destapado pela maré baixa, procuram amêijoas, berbigão, lambujinha, canivetes. No Barreiro, a apanha de bivalves para consumo ou venda imediatos é proibida. Mas isso não impede as pessoas de arriscar.

"Anda muita gente a governar-se com isto", garante José Fernando. À beira da água, de cócoras, José apanha água do rio para um garrafão de plástico. "É para mudar a água às amêijoas que apanhei ontem", conta o antigo trabalhador da CUF, agora reformado, com 71 anos. É ali que passa algum do tempo livre, à procura do marisco "para comer ou dar aos amigos".

Em dias bons, já chegou a levar para casa 15 quilos de amêijoa. "Não apanhei mais porque não quis. E é tudo amêijoa grande." Esta espécie grande, conhecida como amêijoa japónica, é exótica e não se sabe ao certo como foi introduzida no estuário. Existe hoje em abundância no Barreiro, Almada, Seixal, Montijo e Alcochete. Estas são consideradas zonas C pelo Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar), por estarem poluídas com coliformes fecais. Os bivalves aí apanhados só podem ser consumidos se forem transpostos vivos para outro meio natural não contaminado e aí permanecerem por mais de dois meses. Caso contrário, servem apenas para transformação industrial.

Além da poluição fecal, o Barreiro é uma das zonas do Tejo cujos sedimentos estão mais contaminados com metais pesados, como arsénio, chumbo e cádmio. Ainda assim, a apanha continua e ninguém sai do rio de mãos a abanar. Maria Antónia anda com o marido e cada um tem o seu balde. Aos 56 anos, está desempregada há sete, tal como o marido. Vai para a praia do Clube Naval do Barreiro sempre que pode, mas diz que apanha amêijoa só "para passar o tempo". Outros actuam de forma mais coordenada: "Há famílias inteiras, com restaurantes no Barreiro, que passam aqui horas", conta José, sublinhando que é raro ver a Polícia Marítima por ali.

Contudo, em 2011, até ao final de Fevereiro, a Polícia Marítima levantou 23 autos por pesca ilegal de bivalves: cinco a montante da Ponte Vasco da Gama, a embarcações com ganchorra; e 18 entre as duas pontes, na margem sul do Tejo, a pescadores apeados com utensílios ilegais. Em 2010, foram levantados 125 autos.

Apesar das multas -até 3740 euros, para pessoas singulares -, a actividade continua em força. Com a fartura de amêijoa, o preço deste marisco no mercado, que já esteve a seis euros por quilo, baixou para metade. "Há quem cá venha todos os dias. Se levar 10 quilos por dia, tem um ordenado ao fim do mês." A crise e o desemprego também são aqui desculpa para o aumento de mariscadores.

Durante os 32 anos que José trabalhou na CUF, "ninguém apanhava aqui amêijoas". Estavam mortas. Agora, "não há comparação possível". E não é só nos bivalves que se nota a diferença. Há mais chocos, "boas douradas", robalos. Com a entrada em funcionamento da estação de tratamento dos efluentes do Barreiro e da Moita, que será inaugurada na primeira semana de Abril, esperam-se melhorias.

Despoluição do Trancão não resolveu tudo

Gastaram-se milhões e as melhorias foram substanciais. Mas não bastou: o rio Trancão ainda está poluído. Não tanto, é certo, como em 1985, quando Rui Pinheiro, então com 23 anos, lançou-se numa campanha para a sua limpeza. Juntou-se a outros jovens, encheu garrafas com a água pestilenta do rio moribundo e entregou-as a membros do Governo, a deputados, ao Presidente da República. "Uma garrafinha daquelas era uma coisa nojenta", afirma Pinheiro, hoje vice-presidente da Associação de Defesa do Ambiente de Loures.

Anos depois, a Expo "98 ofereceu ao Trancão uma grande operação de dragagem, ordenamento e despoluição. Ao mesmo tempo, foi inaugurada a Estação de Tratamento de Águas Residuais de Frielas, para os esgotos urbanos e industriais que antes seguiam para o rio.

A situação melhorou, mas os dados mais recentes do Instituto da Água (2008) ainda classificam o Trancão como um rio sujo. Em vários pontos do seu curso, o rio mantém qualidade "muito má", significando "águas extremamente poluídas e inadequadas para a maioria dos usos". Alguns indicadores têm melhorado, como os que sugerem poluição industrial, mas outros persistem no vermelho, como os nutrientes.

A ETAR de Frielas não resolveu por completo o problema dos esgotos. Entre 2003 e 2005, só na ribeira da Póvoa, afluente do Trancão, foram identificados pela Simtejo cerca de 200 pontos de descargas indevidas - que cabe às câmaras municipais controlar.Na ribeira do Casal Novo, em Mafra, eram 85. Muitas destas situações mantêm-se. "Admito que haja descargas pontuais na linha de água, mas não são responsabilidade nossa e não têm significado do ponto de vista da poluição do Tejo", afirma Arnaldo Pego, presidente da Simtejo. O próprio funcionamento das ETAR é dificultado pela incapacidade em se controlar a qualidade dos esgotos que as indústrias lançam na rede municipal.

Na Póvoa da Galega, onde o Trancão tem origem, as suiniculturas ainda são um problema. "De vez em quando descarregam, mas já não é tanto como antigamente", diz José António, de 72 anos, residente naquela freguesia. Num relatório publicado em 2010, a Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território (IGAOT) aponta as suiniculturas como um dos maiores responsáveis pela degradação do Trancão. De sete unidades visitadas pela IGAOT em anos recentes, apenas duas cumpriam as normas de descarga de esgotos no rio. Quatro não faziam análises à qualidade dos efluentes. Cinco não tinham licença válida.

Na sua foz, o Trancão é um rio ambivalente. Já não cheira como antes. Mas as análises mais recentes, na estação do Cais de Sacavém, revelam que há pelo menos cinco indicadores de poluição com níveis extremamente elevados - fosfatos, azoto, fósforo, condutividade e oxidabilidade.Rui Pinheiro aponta para alguns tubos a sair das margens e suspeita de descargas ilegais. "Muitas dessas coisas são invisíveis", alerta. Mas às vezes, completa o ambientalista, "vêem-se tufos de espuma".

O rio desagua no Tejo num cenário também paradoxal. Numa manhã recente de Março, viam-se gaivotas, patos, corvos, pernas-longas e outras aves no lodo descoberto pela maré. Mas também se via lixo, espalhado pelas chuvas para além da embocadura do Trancão: garrafas de plástico, um pára-choques de automóvel, lâmpadas, um par de ténis, plásticos diversos, restos de uma sanita, um frigorífico. E uma cabra morta.

Ostras no Tejo poderiam valer até 60 milhões

26 de Agosto de 1966. A data, que José Soares Pedro guarda na memória, marca o início do fim das ostras no estuário do Tejo, que chegou a ser o maior fornecedor destes bivalves na Europa. Nessa sexta-feira, a unidade industrial da CUF descarregou acidentalmente 700 toneladas de ácido sulfúrico no rio, na zona do Barreiro. "No dia seguinte, de manhã, a água estava amarelada e era só peixes mortos nas margens", recorda. As ostras, mais resistentes, ainda aguentaram uns anos. "Foram morrendo devagar. Em 1970, acabou-se". Desde então, não voltaram.

José, de 79 anos, foi um dos dois funcionários do Posto de Depuração de Ostras do Tejo, que começou a operar em 1954 na Moita. Entrou aos 22 anos como auxiliar e chegou a encarregado-geral. Tratava do processo de depuração das ostras. O marisco ficava em cinco tanques e em 36 horas levava três banhos com água do rio, tratada com cloro. Dali, as ostras iam para o resto do país e para Espanha, França e Inglaterra.

A apanha de ostras dava emprego a centenas de pessoas da região. Em 1960, 120 empresas exploravam o marisco no estuário, enquanto em 1972 existiam apenas oito. Pelo menos até 1964, saíam do Tejo cerca de 10 mil toneladas de ostras por ano, segundo dados do Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar).

A poluição industrial (o tributil de estanho das tintas usadas pela Lisnave nas embarcações também é tido como responsável pela eliminação das ostras), a poluição agropecuária vinda da lezíria e o aumento populacional nos municípios ribeirinhos - até há poucos anos sem tratamento de esgotos - ditaram o fim da fartura. Em 1970, as ostras do Tejo acabaram, mas continuaram a chegar ao posto as de Setúbal e do Algarve. "As últimas estiveram aqui em Dezembro de 1996".

Há cerca de quatro anos, o Ipimar tentou introduzir no Tejo as ostras do estuário do Sado, ainda em exploração. Mas a experiência, repetida durante dois anos, falhou.

A Administração de Região Hidrográfica do Tejo, responsável pela elaboração do Plano de Ordenamento do Estuário, está a analisar a possibilidade de reintroduzir os bivalves no rio. E há quem diga que é possível. João Gomes Ferreira, investigador docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa, estima que o estuário tem capacidade para produzir entre sete e 12 mil toneladas de ostras por ano, que, se forem vendidas a cinco euros por quilo, podem render 35 a 60 milhões de euros.

Depois de fechar, o posto de depuração esteve ao abandono e acabou por ser comprado pela filha de José, Maria Fernanda, que requalificou o espaço. Onde antes se limpava marisco, agora fazem-se festas e outros eventos. O rio está hoje menos poluído mas ainda não há ostras para depurar. "O que se vê por aí é a ostra-anã, não presta para comer", garante José Soares Pedro."Se não puserem cá ostras de qualidade, elas não voltam."

Domingo Mar 13, 2011 21:25 / netxplica.com

Ir à página 1, 2  Seguinte • Página 1 de 2


Responder

Últimos Artigos da Ciência Seleccionados

Mais de 20.000 artigos distribuídos por anos de escolaridade e respectivos temas programáticos.

  A lontra gigante que viveu na China há seis milhões de anos
11.º Ano BIOLOGIA - VIII. Evolução Biológica

  O que nos une a uma criatura do mar que existiu há 540 M.a.?
11.º Ano BIOLOGIA - VIII. Evolução Biológica

  67% dos corais do Norte da Grande Barreira estão mortos
10.º Ano BIOLOGIA - I. Diversidade na Biosfera

  Um violento bailado cósmico na origem dos anéis de Saturno
10.º Ano GEOLOGIA - II. A Terra, Um Planeta Muito Especial

  Debaixo do coração gelado de Plutão há um mar viscoso?
10.º Ano GEOLOGIA - II. A Terra, Um Planeta Muito Especial

  Girafas sofrem “extinção silenciosa”
10.º Ano BIOLOGIA - I. Diversidade na Biosfera

  Egipto quer exportar crocodilo-do-nilo para sair da crise
10.º Ano BIOLOGIA - I. Diversidade na Biosfera

  Sexo, chimpanzés e bonobos
11.º Ano BIOLOGIA - VIII. Evolução Biológica

  Cientistas suspendem no tempo desenvolvimento de embriões
11.º Ano BIOLOGIA - VI. Crescimento e Renovação Celular

  A ilha de Santa Maria está a erguer-se do fundo do mar
10.º Ano GEOLOGIA - I. A Geologia, os Geólogos e Seus Métodos

  Dentro de 300 M.a. existirá o super-continente Aurica
10.º Ano GEOLOGIA - I. A Geologia, os Geólogos e Seus Métodos

  Quando é que as aves começaram a cantar?
11.º Ano BIOLOGIA - VIII. Evolução Biológica

  A cauda maravilhosa dum dinossauro que ficou presa em âmbar
11.º Ano GEOLOGIA - II, Processos e materiais geológicos importantes em ambientes terrestres

  Subida do nível do mar medida nas dunas de Tróia
12.º Ano GEOLOGIA - II. História da Terra e da Vida

  Por que é que algumas células resistem ao VIH?
12.º Ano BIOLOGIA - III. Imunidade e Controlo de Doenças

  Conservação do Lince ibérico
8.º ANO CIÊNCIAS NATURAIS - 2.2. Protecção e conservação da Natureza

  Mulher deu à luz depois de transplante de tecido do ovário
12.º Ano BIOLOGIA - I. Manipulação da Fertilidade

  O mundo encantado dos cavalos-marinhos tem os seus segredos
11.º Ano BIOLOGIA - VI. Crescimento e Renovação Celular

  Confirmado: Ceres tem água congelada
10.º Ano GEOLOGIA - II. A Terra, Um Planeta Muito Especial

  Confirma-se: a gravidez muda o cérebro das mulheres
12.º Ano BIOLOGIA - I. Reprodução Humana

  Utilização do fracking pode aumentar número sismos
11.º Ano GEOLOGIA - III. Exploração sustentada de recursos geológicos.

  Metástases do cancro da mama começam antes da detecção
12.º Ano BIOLOGIA - II. Património Genético

  Português ajuda a descodificar o genoma dos pangolins
11.º Ano BIOLOGIA - VI. Crescimento e Renovação Celular

  Como é que as aves perderam os dentes?
11.º Ano BIOLOGIA - VIII. Evolução Biológica

  Caixa de ferramentas para editar genes ganhou 2 ferramentas
12.º Ano BIOLOGIA - II. Património Genético

  Toneladas de lixo estão a chegar a um reservatório de água
11.º Ano GEOLOGIA - III. Exploração sustentada de recursos geológicos.

  Novas tendências das alterações climáticas estão para ficar
12.º Ano BIOLOGIA - V. Preservar e Recuperar o Meio Ambiente

  Um rio de ferro corre cada vez mais depressa no interior
10.º Ano GEOLOGIA - III. Compreender a Estrutura e a Dinâmica da Geosfera

  As chitas estão em extinção
10.º Ano BIOLOGIA - I. Diversidade na Biosfera

  O que se passou com a bactéria da cólera desde o séc. XIX?
12.º Ano BIOLOGIA - III. Imunidade e Controlo de Doenças

  Parasita que provocou grande fome na Irlanda veio da América
12.º Ano BIOLOGIA - IV. Produção de Alimentos e Sustentabilidade

  Descoberta uma espécie de rã nova para a ciência
11.º Ano BIOLOGIA - IX. Sistemática dos Seres Vivos

  Descoberto um dos primeiros animais do Atlântico primitivo
10.º Ano GEOLOGIA - I. A Geologia, os Geólogos e Seus Métodos

  Papagaio da Austrália ficou com as asas maiores
11.º Ano BIOLOGIA - VIII. Evolução Biológica

  Quanto tempo é que os ovos dos dinossauros levavam a chocar?
11.º Ano GEOLOGIA - II, Processos e materiais geológicos importantes em ambientes terrestres

  As borboletas diurnas de Portugal estão em risco
10.º Ano BIOLOGIA - I. Diversidade na Biosfera

  Livro vermelho dos invertebrados pode avançar até 2018
10.º Ano BIOLOGIA - I. Diversidade na Biosfera

  Identificadas proteínas envolvidas na infecção do vírus Zika
12.º Ano BIOLOGIA - III. Imunidade e Controlo de Doenças

  Lua formou-se há 4510 milhões de anos
10.º Ano GEOLOGIA - II. A Terra, Um Planeta Muito Especial

  Certas bactérias aumentam 4 vezes o risco de contrair o VIH
12.º Ano BIOLOGIA - III. Imunidade e Controlo de Doenças


  • C. Nat. 7
  • C. Nat. 8
  • C. Nat. 9
  • BIO 10
  • BIO 11
  • BIO 12
  • GEO 10
  • GEO 11
  • GEO 12


  • LOJA
  • FÓRUM
  • ESCOLA
  • EXPLICACOES ONLINE


  • Twitter
  • Facebook
  • YouTube
  • Youtube
  • Instagram
  • Linkedin
  • © netxplica. luisqueiroga@netxplica.com
  • Powered by: HTML5 UP